quarta-feira, 1 de agosto de 2012

MILTON SANTOS - METAMORFOSES DO ESPAÇO HABITADO


10. Espaço, o que é
Segundo A. C. da Silva (1986, pp. 28-29 ) "as categorias fundamentais do conhecimento geográfico são, 
entre outras, espaço, lugar, área, região, território, habitat, paisagem e população, que definem 0 objeto da 
geografia em seu relacionamento. (. . .) De todas, a mais geral - e que inclui as outras é o espaço".
Mas paisagem e espaço são coisas diferentes. Como o vocábulo  paisagem,  a palavra espaço também é 
utilizada em dezenas de acepções. Fala-se em espaço da sala, do verde, de um país, de um refrigerador, 
espaço ocupado pelo corpo etc. É um dos termos que mais possui verbetes nos dicionários e enciclopédias; e 
em alguns comparecem com centenas de sentidos diversos.
Palavras como vermelho, duro, sólido não têm seus significados colocados em dúvida, estão associados a 
experiências elementares. O que não acontece com a palavra  espaço, freqüentemente substituída por lugar, 
território etc. A palavra é mesmo muito utilizada como substantivo, assim espaço do homem, do migrante, do 
sedentário etc. A própria palavra paisagem é comumente utilizada para designar o espaço.
O espaço seria um conjunto de objetos e de relações que se realizam sobre estes objetos; não entre estes 
especificamente, mas para as quais eles servem de intermediários. Os objetos ajudam a concretizar uma série 
de relações. O espaço é resultado da ação dos homens sobre o próprio espaço, inter mediados pelos objetos, 
naturais e artificiais.


11. A paisagem não é o espaço
Não há, na verdade, paisagem parada, inerme, e se usamos este conceito é apenas como recurso analítico. A 
paisagem é materialidade, formada por objetos materiais e não-materiais. A vida é sinônimo de relações
sociais, e estas não são possíveis sem a materialidade, a qual fixa relações sociais do passado. Logo, a 
materialidade construída vai ser fonte de relações sociais, que também se dão por intermédio dos objetos. 
Estes podem ser sujeitos de diferentes relações sociais - uma mesma rua pode servir a funções diferentes em 
distintos momentos.
A sociedade existe com objetos, é com estes que se torna concreta. Por exemplo, São Paulo tem dezesseis 
milhões de habitantes, mas se não explicamos como estes se movem, para o lazer, para o trabalho, para as 
compras, como eles habitam, como participam na reprodução social etc., não estou me referindo a São Paulo, 
mas apenas a dezesseis milhões de pessoas...
A paisagem é diferente do espaço. A primeira é a materialização de  um instante da sociedade. Seria, numa 
comparação ousada, a realidade de homens fixos, parados como numa fotografia. O espaço resulta do 
casamento da sociedade com a paisagem. O espaço contém o movimento. Por isso, paisagem e espaço são 
um par dialético. Complementam-se e se opõem. Um esforço analítico impõe que os separemos como 
categorias diferentes, se não queremos correr o risco de não reconhecer o movimento da sociedade.
Imaginemos a cidade de Salvador no dia primeiro de junho de 1987, às quinze horas.  Teríamos uma 
determinada distribuição das pessoas, da produção sobre o território. Três horas mais tarde, esta distribuição Milton Santos
seria outra. O conjunto de trabalhos e atividades muda, assim como a visão do conjunto. O movimento das 
pessoas corresponde à etapa  da produção que está se dando naquele momento. Todos são produtores - o 
operário, o artista de teatro, o vendedor de supermercado, o intelectual, o motorista de táxi etc., mesmo quem 
não está diretamente no processo de produção, já que também consome. É a  maneira com que se dá a 
produção, e o intercâmbio entre os homens que dá um aspecto à paisagem. O trabalho morto (acumulado) e a 
vida se dão juntos, mas de maneiras diferentes. O trabalho morto seria a paisagem. O espaço seria o conjunto 
do trabalho morto (formas geográficas) e do trabalho vivo (o contexto social).
Há uma adequação da sociedade  - sempre em movimento  - à paisagem. A sociedade se encaixa na 
paisagem, supõe lugares onde se instalam, em cada momento, suas diferentes frações. Há, dessa maneira, 
uma relação entre sociedade e um conjunto de formas - materiais e culturais. Quando há uma mudança social, 
há também mudança dos lugares  - por exemplo, a invasão de São Paulo pelos pobres, há cerca de vinte e 
cinco anos. Diríamos, com Edward Soja (1983) que a sociedade está sempre espacializando-se. Mas a 
espacialização não é o espaço. A espacialização é um momento da inserção territorial dos processos sociais. 
O espaço é mais do que isso, pois funciona como um dado do próprio processo social.

12. A espacialização não é o espaço
O espaço é o resultado da soma e da síntese, sempre refeita, da paisagem com a sociedade através da 
espacialidade.  A paisagem tem permanência e a espacialidade é um momento.  A paisagem é coisa, a 
espacialização é funcional e ó espaço é estrutural. Ë1 paisagem é coisa relativamente permanente, enquanto 
aespacialização é mutável, circunstancial, produto de uma mudança estrutural ou funcional.  A paisagem 
precede a história que será escrita sobre ela ou se modifica para acolher uma nova atualidade, uma inovação. 
A espacialização é sempre o presente, um presente fugindo, enquanto a paisagem é sempre o passado, ainda 
que recente.O espaço é igual à paisagem mais a vida nela existente; é a sociedade encaixada na paisagem, a 
vida que palpita  conjuntamente com a materialidade.  A espacialidade seria um momento das relações  
sociais geografizadas, o momento da incidência da sociedade sobre um determinado arranjo espacial.
A espacialização não é o resultado do movimento da sociedade apenas, porque depende do espaço para se 
realizar. No seu movimento permanente, em sua busca incessante de geografização, a sociedade está 
subordinada à lei do espaço preexistente. Sua subordinação não é à paisagem, que, tomada isoladamente, é 
um vetor passivo. É o valor atribuído à cada fração da paisagem pela vida - que metamorfoseia a paisagem 
em espaço  - que permite a seletividade da espacialização. Esta não é um processo autônomo, porque, na 
origem, depende das relações sociais e na chegada não é independente do espaço, nem o seu conceito 
substitui o conceito de espaço. A espacialização também não é apenas o resultado do movimento da 
sociedade, porque depende do espaço.

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